Esqueletos medievais revelam como a desnutrição na infância reduzia a expectativa de vida e afetava a saúde a longo prazo.

O estudo, publicado na revista *Science Advances*, analisou os dentes de 275 indivíduos enterrados em cemitérios de igrejas em Londres e Lincolnshire entre os anos 1000 e 1540 d.C. Os pesquisadores encontraram uma correlação direta entre o estresse nutricional na infância e a redução da expectativa de vida.
A pesquisa internacional foi liderada por cientistas da Universidade de Bradford e de várias outras instituições. A Dra. Julia Beaumont, principal analista da Escola de Ciências Arqueológicas e Forenses da universidade, afirmou em um comunicado:“Ao examinar os perfis de dentina, podemos ver como a fome deixou cicatrizes biológicas duradouras. Este estudo mostra como as vidas medievais foram moldadas por suas experiências mais precoces. É um lembrete poderoso de que a saúde na infância tem consequências para toda a vida.”
A dentina do dente — a camada abaixo do esmalte que se forma durante a infância e nunca se altera — funciona como um registro biológico. Ela absorve isótopos químicos da dieta, preservando um histórico vitalício da alimentação e do estresse fisiológico. Ao fatiar os dentes e analisar esses isótopos, os cientistas conseguiram reconstruir com precisão as dietas individuais.
Um padrão claro emergiu. Em uma dieta saudável, os níveis de carbono e nitrogênio geralmente aumentam ou diminuem juntos — um fenômeno chamado de “covariância” pelos cientistas. No entanto, quando uma criança está em estado de fome, os níveis de nitrogênio nos dentes aumentam, enquanto os níveis de carbono permanecem estáveis ou diminuem. Essa “covariância oposta” é um sinal biológico de alerta que identifica episódios de desnutrição extrema.

A equipe utilizou técnicas avançadas de isótopos estáveis para detectar essa assinatura da fome. Eles comprovaram que pessoas que sofreram com a fome nos primeiros anos de vida — especialmente por volta da época da Peste Negra (1348–1350) — apresentavam riscos aumentados na vida adulta. Indivíduos que mostravam evidências de estresse nutricional na infância tinham maior probabilidade de apresentar sinais esqueléticos de inflamação crônica e eram significativamente menos propensos a sobreviver até os 30 anos de idade, em comparação com aqueles que não possuíam esses marcadores.
Curiosamente, a prevalência de indicadores de fome na infância aumentou antes da Peste Negra, durante um período de repetidas quebras de safra, da Pequena Idade do Gelo e da chamada “grande peste bovina” — uma epidemia que dizimou dois terços do gado da Inglaterra. Esses sinais diminuíram após a pandemia. Os pesquisadores sugerem que a peste, apesar de sua devastação, pode ter melhorado indiretamente as condições de vida ao reduzir a pressão populacional e ampliar o acesso aos recursos.
As descobertas da pesquisa têm implicações significativas que vão muito além da história medieval. Os pesquisadores observaram que estudos modernos confirmam o que foi identificado aqui: a desnutrição e o estresse nos primeiros anos de vida estão fortemente associados a doenças crônicas na idade adulta, como doenças cardíacas, diabetes e redução da expectativa de vida. E há evidências de que esses efeitos podem ser transmitidos às gerações seguintes por meio de alterações epigenéticas.
É um lembrete contundente: a nutrição infantil não é apenas uma questão de sobrevivência imediata — é a base para uma vida inteira de saúde.
Mais informações:
DeWitte, S. N., Beaumont, J., Walter, B. S., Towers, J. R., & Brennan, E. J. (2025). Childhood nutritional stress and later-life health outcomes in medieval England: Evidence from incremental dentine analysis. Science Advances, 11(31), eadw7076. https://doi.org/10.1126/sciadv.adw7076