Motivos de íbex no Oriente Próximo ligados à fertilidade, ao mito e ao simbolismo celestial

O íbex (Capra aegagrus), uma cabra selvagem nativa da Europa, Ásia e nordeste da África, tinha grande importância material e religiosa durante a pré-história. Evidências genéticas indicam que a espécie foi domesticada há cerca de 10.000 anos nas Montanhas Zagros, no Irã, e na Anatólia Oriental, dando origem à cabra doméstica—um animal essencial para a produção de leite, fibra e carne. Mas, além de sua importância prática, o íbex tornou-se um símbolo cultural e religioso profundo na pré-história.
Motivos de íbex apareceram em esculturas, arte rupestre e cerâmica desde o Paleolítico, sugerindo milênios de continuidade de significado. Em representações europeias antigas, o íbex estava associado à fertilidade e à feminilidade. No abrigo rochoso de Laussel, na França, por exemplo, uma figura de Vênus segura o que se acredita ser um chifre de íbex. Um tema semelhante pode ser encontrado em um painel de arte rupestre neolítica, o painel Mãe Ranaldi, mostrando íbexes ou cervos reunidos em torno de uma mulher dando à luz. Segundo os autores, o simbolismo do íbex é consistente, e isso é apoiado por fortes evidências arqueológicas, como pinturas rupestres paleolíticas, características neolíticas e artefatos da Idade do Bronze.

Os mesmos motivos se repetiram no antigo Oriente Próximo. O deus da água Enki, associado aos rios Tigre e Eufrates, era frequentemente representado junto a imagens de íbex, ligando o animal às águas que dão vida e à fertilidade sazonal. Essa associação pode ter ocorrido pelo fato de que a época de acasalamento do íbex coincidia com as chuvas de outono na Mesopotâmia, tornando o animal um indicador natural do tempo. Até na literatura babilônica, Inanna refere-se à sua vulva como um “chifre”, reforçando ainda mais o papel do íbex como símbolo de sexualidade e fertilidade.

Achados arqueológicos do Irã fornecem evidências concretas desse papel simbólico. Uma placa de bronze datada entre 1500 a.C. e 700 a.C. retrata dois íbex de cada lado de uma mulher em trabalho de parto, remetendo às imagens neolíticas da Europa. O íbex foi utilizado ao longo de toda a pré-história iraniana em cerâmica, trabalhos em metal e gravuras rupestres, desde Tall-i-Bakun e Tepe Hissar até Susa e regiões adjacentes. Esses motivos também persistiram em períodos posteriores—aparecendo em tatuagens aquemênidas, trabalhos em metal sassânidas e até na arte em azulejos da era islâmica.
A dimensão celestial do íbex também era significativa. Em textos mesopotâmicos, o íbex é chamado de si-mul, “chifres-estelares”, e no simbolismo iraniano ele frequentemente aparece acompanhado de motivos solares e estelares. Seu legado perdura até hoje no signo do zodíaco Capricórnio, a constelação da cabra-peixe associada à chuva e à fertilidade. Como o estudo explica, sociedades antigas podem ter acreditado que o íbex, habitante das montanhas, estava intrinsecamente ligado aos céus e aos ciclos cósmicos.

O simbolismo do íbex, portanto, refletia tanto sua aparência física quanto seu papel na vida cotidiana. Na vida neolítica e nômade, as cabras desempenhavam um papel central na produção de alimentos e tecidos, enquanto, espiritualmente, eram símbolos de fertilidade, feminilidade, água e da ordem celestial. É esse duplo papel que explica a frequência dos motivos de íbex na arte pré-histórica e histórica do Irã, da Mesopotâmia e de outras regiões.
Ao entrelaçar mito, biologia e arqueologia, o estudo revela que o íbex era muito mais do que um animal de caça ou um recurso doméstico. Ele representava os ritmos da vida, os ciclos da natureza e o esforço da humanidade para compreender seu lugar no universo.
Mais informações: Torkamandi, S., Otte, M., & Motarjem, A. (2025). Analyzing the symbolic meaning of bovidae in prehistoric cultures, particularly emphasizing ibex motifs in ancient Iranian arts. L’Anthropologie, 129(4), 103384. doi:10.1016/j.anthro.2025.103384